Quando o figurão de voz rouca anunciou a sentença em cadeia nacional, o mundo inteiro comemorou. Ou o que havia restado dele. Nesse ponto o mundo já havia se transformado em um cenário apocalíptico, era o primeiro diagnóstico com o qual todas as religiões concordavam. Um fato inédito desde o surgimento da espécie mais contraditória que já existiu.
Não há muito o que dizer do homem porque, apesar de terem demorado a admitir, nada se conhece a seu respeito. Sabe-se que o cérebro humano tem dois hemisférios, ligados pelo corpo caloso. Mas isso não significa nada. Sabe-se que a pele é o maior órgão do corpo humano. Mas isso também não significa nada. Sabe-se que os seres humanos e os chimpanzés têm 98% dos genes em comum. Mas isso significa menos ainda. O que importa mesmo são os 2%. Malditos 2%. Se não fosse por eles, o mundo ainda estaria em pé.
O grande problema foi que demoraram demais a descobrir para que serviam os tais 2%. Quando os chimpanzés começaram a resolver enigmas matemáticos e estudar espécies inferiores, já era tarde. Os artistas haviam dominado o mundo. Semanas depois, estudando cérebros dessa espécie singular, os cientistas descobriram que o que sobrava de 2% neles, faltava dos 98%. Era uma divisão simples, 1% destinado à sua arte e 1% destinado ao seu ego.
O mundo se tornou uma cópia fiel de um quadro de Picasso, e isso não no sentido figurado. Aliás, em sentido algum. Na lógica de um artista só havia um critério de avaliação de uma obra: se o autor havia sido ele ou não. E foi com essa tática de julgamento e humilhação que eles quase superaram as pessoas normais e se tornaram a raça dominante. Isso até a última reunião de países, onde o presidente da ONU decretou o extermínio de todos os artistas.
Os matemáticos comemoraram com pulinhos esquizofrênicos e os professores distribuindo boas notas à rodo, mas ninguém ousou fazer um brinde como pretexto para se encher de álcool. Isso era coisa de artista.
“Coisa de artista” passou a ser uma expressão cada vez mais rara, assim como os próprios artistas. Os que não foram capturados de início presentearam a si mesmos com mortes, por assim dizer, artísticas. Alguns pintaram seus corpos até que não houvesse um póro livre da asfixia, outros derreteram seus rostos com ácido e aproveitaram os últimos momentos para moldá-los ao seu bel prazer e, por último, havia aqueles que empalhavam uns aos outros.
O planeta-arte se transformou em um ateliê de corpos e a raça humana finalmente pôde voltar aos seus ábacos, dicionários e sistemas binários. Mas, como já foi dito, não há nada mais contraditório que o ser humano. Eles não conseguiram viver em paz. Decidiram guerrear com a espécie semelhante que, eliminados os 2% de diferença genética, passou a ser os chimpanzés. Ganhou a espécie com maior senso ético e moral.
Foi assim que os chimpanzés dominaram o mundo. Eliminaram todos os humanos e se tornaram a espécie mais inteligente, perdendo para os golfinhos por apenas 2%. Mas não seria assim por muito tempo. Um dia, um chimpanzé descobriu uma velha lata de tinta, molhou o dedo e esfregou em uma árvore. Estava dada a sentença de extinção da raça.
domingo, 22 de junho de 2008
apocalipse artistico
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