Em 11 de junho de 1963, um homem de saia marchava pela rua. Olhava para a frente com profunda concentração, como fazemos quando nossa mente está ausente. Mas a sua não estava. Completamente consciente de si e transparecendo uma tranqüilidade invejável, o homem, ignorando o tráfego, sentou-se no meio da rua, cruzou as pernas e fechou os olhos. Após alguns minutos de silêncio, o homem agarrou o pequeno galão ao seu lado e se batizou com o conteúdo. Enfim, acionou o aparelhinho em sua mão e colocou fogo em si mesmo. As labaredas atraíram todo um contingente de pessoas, de policiais armados a motoristas curiosos. Mas o que mais surpreendeu a multidão não foi o fogo em si, mas o fato de que, apesar de todo estrago que fazia, consumindo o homem até a morte, ele permaneceu em seu lugar, simplesmente, impassível.
Um dia depois centenas de jornais ocidentais brigavam pela foto do monge vietnamita em chamas, protestando contra o governo de seu país. O objetivo era dar àquele homem a primeira capa e imortalizar seu ato de coragem. Por um dia. Por um dia seus inimigos seriam inimigos do mundo inteiro. Mas apenas por um dia, porque amanhã, depois de desgastado o assunto, estaríamos à caça de outro inimigo, seja ele um seqüestrador de criancinhas, um político italiano ou o governo russo. E assim tem sido há muito tempo por aqui: heróis e vilões descartáveis, uma grande batalha contra sabe-se-lá-quem.
Enquanto esse e outros monges lutam pelo que acham justo, a nós, pobres ocidentais brasileiros, falta contra o que lutar. Não, nós não temos um inimigo em comum. Não saímos por aí ateando fogo em nós mesmos porque não temos coragem. Não fazemos isso porque não temos porquê. Não um porquê de verdade, só um monte de porquês inventados. Nossa luta é contra um assassino de uma vítima desconhecida, contra o seqüestrador de uma criança que jamais encontraremos, contra um governo que achamos mais ou menos. Tudo por aqui é mais ou menos, nada é bom o suficiente pra virar heroísmo. Nada é ruim o suficiente para causar a revolta geral. E a revolta, brasileiros, a revolta é indispensável. Todas as grandes conquistas da humanidade foram feitas na revolta. Mesmo para um monge que viveu na paz, o auge da vida foi na revolta. Afinal, enquanto a paz nos dá um porquê para sobreviver, a revolta nos dá um porquê para morrer. E quem não tem pelo que morrer, não tem pelo que viver.
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Protótipo de um Jornalista
Um dia depois centenas de jornais ocidentais brigavam pela foto do monge vietnamita em chamas, protestando contra o governo de seu país. O objetivo era dar àquele homem a primeira capa e imortalizar seu ato de coragem. Por um dia. Por um dia seus inimigos seriam inimigos do mundo inteiro. Mas apenas por um dia, porque amanhã, depois de desgastado o assunto, estaríamos à caça de outro inimigo, seja ele um seqüestrador de criancinhas, um político italiano ou o governo russo. E assim tem sido há muito tempo por aqui: heróis e vilões descartáveis, uma grande batalha contra sabe-se-lá-quem.
Enquanto esse e outros monges lutam pelo que acham justo, a nós, pobres ocidentais brasileiros, falta contra o que lutar. Não, nós não temos um inimigo em comum. Não saímos por aí ateando fogo em nós mesmos porque não temos coragem. Não fazemos isso porque não temos porquê. Não um porquê de verdade, só um monte de porquês inventados. Nossa luta é contra um assassino de uma vítima desconhecida, contra o seqüestrador de uma criança que jamais encontraremos, contra um governo que achamos mais ou menos. Tudo por aqui é mais ou menos, nada é bom o suficiente pra virar heroísmo. Nada é ruim o suficiente para causar a revolta geral. E a revolta, brasileiros, a revolta é indispensável. Todas as grandes conquistas da humanidade foram feitas na revolta. Mesmo para um monge que viveu na paz, o auge da vida foi na revolta. Afinal, enquanto a paz nos dá um porquê para sobreviver, a revolta nos dá um porquê para morrer. E quem não tem pelo que morrer, não tem pelo que viver.
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Protótipo de um Jornalista
25 comentários:
Eu concordo que a revolta seja indispensável. Gostei da forma como você terminou seu texto.. "quem não tem pelo que morrer, não tem pelo que viver".. tava precisando ler algo assim.
abraço
http://www.andisaidgoddamn.blogspot.com/
Mas, veja bem, aí vc coloca um monte de outras nações no mesmo saco. Só porque a gente não tem um problema como uma ditadura, significa que não temos problema nenhum? Como assim? O gesto do monge foi extremado e, como vc mesmo diz, esquecido prontamente, então do que adianta morrer?
Eu acho mais interessante continuar vivo pra poder lutar pelas nossas causas e, sim, temos muitas, com certeza, é só escolher. Muitas ondas do momento, inclusive, engajar-se para meter um pé nos fundilhos dos gringos que querem meter o bedelho na Amazônia.
Beijo!
Letícia.
http://babelpontocom.blogspot.com
São poucas as vezes que permanecemos fiéis à um herói. Culpa da memória, e da futilidade que ela insiste em preservar...
O que aconteceria se mantivéssemos a indignação conosco por mais tempo?
Meu Deus do céu, menino! que talento! O final então está maravilhoso! Um texto raro, reflexivo com um ton lírico. Linda a tua perspectiva e lindo como expõe. Parabéns de coração.
Abraços.
Concordo com o comentário da Andréa
E nós brasileiros não nos revoltamos plenamente pq somos acomodados e esperamos que alguém o faça por nós.Não acredito que seja falta de coragem para fazer algo como atear fogo em si mesmo, acredito que seja mais por medo de pensar e repensar as nossas vidas, pois isso dói d+
É um texto profundo e poético!;P
E realmente, eu admito, somos um povo acomodado!!! Pq não nos juntamos e lutamos por uma coisa maior. Talvez isso aconteça pelo fato de que já tenhamos perdido as esperanças num país onde seus governantes roubam e mentem descaradamente!!! Num país em que boa parte dos impostos pagos por seus cidadãos sejam revertidos aos confortos e luxos que os nossos governantes dão a si mesmos!!! Talvez essa acomodação se deva à falta de esperança que o nosso governo possa melhorar!
bah... nunca tinha me puxado tanto num comentário!;P
Concordo com voce, o brasileiro nao tem um inimigo ou uma pessoa para se revoltar, e por isso fica aquela ideia de paz para todos, mas ninguem faz nada para isso acontecer.
Parabens de verdade pelo final do texto"quem nao tem pelo que morrer, nao tem pelo que viver" concordo 100%
o que eu acho mais engraçado é que a sociedade se mostra avessa aos rumos que a politica toma,mais mesmo assim nao fazem nada para mudar a situação.
na hora de votar,ninguem presta aenção pra depois cobrar os candidatos,é errado dizer que a culpa é somente do governo brasileiro,sendo que os que se dizem cidadãos pagam impostos pra quem esta eleito,sabe que nao esta sento revertido e também nao vai lá cobrar.
nós brasileiros somos acomodados em qlquer situação
tem fundamento, atear fogo em si mesmo e nao sair do lugar so podia vir de um monge...
mas para o brasil chegar a dita democracia, que é outra discução, alguns camaradas como chamados, morreram nos anos de ditadura.
Sinceramente o monge podia ter feito melhor, levado um politico com ele!!!
http://asseteartes.blogspot.com/
vlw
concordo plenamente que seja indispensável se revoltar!!!
Gostei do final, quem não tem pelo que morrer, não tem pelo que viver!
abçs!
tem alguma pergunta sem resposta?
Hoje a Madame Ambrósia está lá no meu blog respondendo todo mundo!
vai lá tbem!
abçs
http://lucasjdeoliveira.blogspot.com/
Cara, que texto bem escrito.
Bem argumentado e com um belo final.
E, infelizmente, você está corretíssimo.
Gostei demais. =)
http://infernoenvidracado.blogspot.com
Revolta, talvez seria o que fizesse a diferença...
É verdade....inventamos motivos mesmo.
flw
Pra dizer bem a verdade, a música da Joss Stone é uma das únicas que valem a pena na trilha sonora de Sex and The City.
Obrigado pelos elogios, pelo comentário e pela visita.
Volte sempre.
Comenta aí também:
I Said Goddamn!
Falta contra o que lutar?!
Ou falta o jeito certo de lutar, o jeito certo de ir atrás pra atingir mesmo o que se deseja.
A gente não precisa tanto de motivos pra lutar, acho que, antes disso, a gente precisa aprender.
:)
Realmente...
Vivemos o mais ou menos.
O brasileiro é medíocre sim. Talvez essa mediocridade seja fruto da "maravilha" a nossa volta. Nunca sofremos o suficiente para nos revoltarmos. É como se estivéssemos escravizados em nossa mente, em nossa vontade. Ou não sabemos o que é sofrer ou convivemos a tanto tempo com o sofrimento que estamos anestesiados.
Acho que, no final das contas, somos animais que não sonham em sair da gaiola porque sequer sabemos o que é liberdade.
bonito blog
auhsauhsuhauhs <3
Muitoo bomm o texto! curti mesmo!!!
muito legal!!!!
Como dizia mesmo a minha professora de Sociologia? É o jeitinho brasileiro.
Apesar de eu sentir vergonha algumas vezes, pelas coisas fúteis que vejo acontecer todo dia, eu ainda me sinto orgulhoso de viver aqui - fazendo a minha parte pra não me tornar um dos fúteis.
Prefiro um povo ignorante, burro e pouco desenvolvido, do que um país grande potencia, mas alvo de guerras e ataques.
Enfim, é ser brasileiro ou brazileiro.
Oi, Uriel!
Seu artigo ficou mto legal. É engraçado essa coisa da revolta pra mudar as coisas da sociedade humana. O diálogo e o acordo, que poderiam ser o caminho mais fácil, quase nunca são praticados.
Aqui, quero lhe convidar para passar no meu blog, o Café com Notícias. Fiz um post sobre fotojornalismo.
Abcs,
=]
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http://cafecomnoticias.blogspot.com
o protótipo de um jornalista !
bom deve mudar esse título !
Gyselle é uma ex -bbb mas isso não vem ao caso e sim como vc devd aprender a comentar em um blog sobre o seguinte post de um blog !
Fala Uriel..
obrigado pelo comentário ontem.
Esperarei sua visita na próxima quarta então
;D
Não deixe de visitar:
And I Said Goddamn!
bem modesto, hein Uriel? protótipo?
...só falta o diploma...
cara, curtí mto o texto e o seu blog em geral...
e valeu por comentar no http://lardosanjos.blogspot.com/
...quanto ao Uriel. espera, um dia ele aparece!!
abraços
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