domingo, 22 de junho de 2008

Funciona pra alguns...

- Onde você está indo com esse cartaz escrito “Fora Bush”?
- Para uma passeata. Vamos?
- Legal. Onde vai ser?
- Na Avenida Paulista.
- Ah, é lá que ele vai ficar hospedado?
- Não é não.
- E como é que ele vai ver o cartaz?
- Talvez na televisão.
- Ah, vai passar na CNN?
- É provável que não.
- Na HBO?
- Não.
- Na Sony?
- Não. Em nenhuma dessas, ok? Talvez passe na Globo. Está contente agora?
- O presidente dos Estados Unidos assiste a Globo?
- Não sei.
- E nem vai procurar saber?
- Não, não vou. Olha aqui, vai que o cartaz sai na capa de um jornal e a Condoleezza compra um exemplar para o Bush.
- Hum, tudo bem. Se ele souber ler português...
- Se ele não souber, alguém que sabe lê para ele, ok?
- Mas aí ele já não vai estar fora? De que vai adiantar?
- Vai adiantar que ele saberá que nós não gostamos dele.
- Nós quem?
- O pessoal da passeata.
- E porque ele iria querer que o pessoal da passeata gostasse dele?
- Porque nós somos o Brasil.
- O pessoal da passeata é o Brasil? Espera aí, quantas pessoas você disse que vão mesmo?
- Não são muitas. É apenas uma representação do Brasil, entende?
- Mas não é o presidente que representa o Brasil?
- É, mas ele não está fazendo isso direito. Está muito ocupado atendendo os interesses políticos dos mensaleiros.
- E não é errado?
- É.
- Então por que você não faz um cartaz para protestar contra isso?
- Ora, não seja tolo. Até parece que não sabe que esse tipo de coisa não funciona!

quer ser meu amigo?

- Posso ser sua amiga?
- Não, você me paga para que eu seja seu amigo.
- Não é verdade. Se eu não posso ser sua amiga, então você não gosta de mim.
- Você não precisa que eu goste de você. Você precisa que eu te ouça.
- Você desgosta tanto do que ouve? Caso contrário deixaria que eu fosse sua amiga.
- Na verdade eu não te ouço. Mas finjo te ouvir como ninguém.
- Eu não preciso pagar para que alguém finja me ouvir.
- Não?
- Não. Eu posso pedir para que meus amigos façam isso.
- Sim, pode. Mas seus amigos te cobrariam mais que eu.
- Eles não me cobrariam dinheiro.
- Não. Eles cobrariam que você fingisse ouvi-los também. Ou mais, cobrariam que você os ouvisse de verdade.
- Esse é um preço que eu não posso pagar.
- Poucos podem. Hoje em dia ninguém ganha atenção o suficiente para doar.
- Culpa do governo...
- Sempre é.
- Mas você ganha bastante atenção?
- Não o suficiente para vender para você. Sabe o que é, tenho família. Mulher e filhos.
- Então o que você me vende?
- Minha hora.
- E vale a pena?
- Valeu.
- Valeu?
- Valeu. A hora acabou. Até a próxima sessão.

... Jornal

Era uma vez um jornal. Em cima dele, um teto empoeirado e à sua frente duas grandes olheiras. Era um belo jornal, o mais belo em muitos meses, diriam alguns. Isso devido à imagem que vinha estampada na capa. Os repórteres a chamariam de “furo” e o assassino de “vítima” . Mas ao jornal nada disso interessava. A única opinião que importava para ele era a daquela mulher desconhecida por trás das olheiras. E a reação dela foi bem diferente das esperadas.

Jornais vivem de expectativas e para ele, aquilo não era nada bom. Alguns jornais até chegavam a voltar para a banca, mas para a mesa do editor chefe, jamais.

- Minha senhora. Esse garoto é filho de uma deputada e foi cruelmente assassinado por um fugitivo perigoso. Uma bala só, certeira. Um absurdo. É por isso que ele está na capa do nosso jornal. Porque onde houver alguma injustiça contra a sociedade...

De resto, o jornal só ouviu “blá blá blá”. Já conhecia muito bem o papo do editor, estava todo estampado com ele. Queria mesmo era ouvir o que a mulher das olheiras tinha a dizer.

- Injustiça? Injustiça é colocar no jornal a foto do garoto morto em vez da foto do meu filho. Isso aí é caso perdido. Morreu, está morto. Meu filho está perdido por aí, na mão de algum safado. Já esse garoto, todo mundo sabe onde está.

Nada daquilo fazia sentido para o jornal. Para ele, só existia um filho, o da deputada. E aquela mulher não se parecia com a deputada.

É possível que o jornal tenha ficado entretido demais com a mulher das olheiras, porque só agora via que atrás dela vinha um batalhão de pessoas. Elas carregavam cartazes com a foto de outro garoto. Segundo a mulher das olheiras, haviam utilizado a foto errada na sua capa e, graças a isso, ele era um inútil.

Isso abalou a auto-confiança do jornal. Ele mal ouviu o que falavam depois. Só conseguia pensar que entre milhares de jornais, fora o único que não cumprira sua função. Agora estava ali novamente, embaixo do teto empoeirado, esquecido no canto da mesa, enquanto aquelas pessoas se reuniam em volta de uma caixa de leite. Na falta de um jornal, foi o que puderam oferecer à mulher das olheiras.

Ao jornal parecia óbvio que uma caixa de leite não valia como jornal. Enquanto estava nas prateleiras, conheceu inúmeros leitores de jornal, mas nenhum leitor de caixa de leite. Mas a mulher das olheiras só foi perceber isso muito tempo depois, quando mais e mais caixas chegavam e não havia ninguém para tomar aquele leite.

O leite azedou, assim como a mulher das olheiras. Leite tem prazo, esperança também. E logo a mulher das olheiras desabou. As olheiras finalmente se encontraram com o jornal, misturando lágrimas grossas com tinta rala. Aquela poça, que tingia o sorriso do filho da deputada de negro marcou o encontro final do que restava de um jornal com o que restou de uma mulher.

apocalipse artistico

Quando o figurão de voz rouca anunciou a sentença em cadeia nacional, o mundo inteiro comemorou. Ou o que havia restado dele. Nesse ponto o mundo já havia se transformado em um cenário apocalíptico, era o primeiro diagnóstico com o qual todas as religiões concordavam. Um fato inédito desde o surgimento da espécie mais contraditória que já existiu.

Não há muito o que dizer do homem porque, apesar de terem demorado a admitir, nada se conhece a seu respeito. Sabe-se que o cérebro humano tem dois hemisférios, ligados pelo corpo caloso. Mas isso não significa nada. Sabe-se que a pele é o maior órgão do corpo humano. Mas isso também não significa nada. Sabe-se que os seres humanos e os chimpanzés têm 98% dos genes em comum. Mas isso significa menos ainda. O que importa mesmo são os 2%. Malditos 2%. Se não fosse por eles, o mundo ainda estaria em pé.

O grande problema foi que demoraram demais a descobrir para que serviam os tais 2%. Quando os chimpanzés começaram a resolver enigmas matemáticos e estudar espécies inferiores, já era tarde. Os artistas haviam dominado o mundo. Semanas depois, estudando cérebros dessa espécie singular, os cientistas descobriram que o que sobrava de 2% neles, faltava dos 98%. Era uma divisão simples, 1% destinado à sua arte e 1% destinado ao seu ego.

O mundo se tornou uma cópia fiel de um quadro de Picasso, e isso não no sentido figurado. Aliás, em sentido algum. Na lógica de um artista só havia um critério de avaliação de uma obra: se o autor havia sido ele ou não. E foi com essa tática de julgamento e humilhação que eles quase superaram as pessoas normais e se tornaram a raça dominante. Isso até a última reunião de países, onde o presidente da ONU decretou o extermínio de todos os artistas.

Os matemáticos comemoraram com pulinhos esquizofrênicos e os professores distribuindo boas notas à rodo, mas ninguém ousou fazer um brinde como pretexto para se encher de álcool. Isso era coisa de artista.

“Coisa de artista” passou a ser uma expressão cada vez mais rara, assim como os próprios artistas. Os que não foram capturados de início presentearam a si mesmos com mortes, por assim dizer, artísticas. Alguns pintaram seus corpos até que não houvesse um póro livre da asfixia, outros derreteram seus rostos com ácido e aproveitaram os últimos momentos para moldá-los ao seu bel prazer e, por último, havia aqueles que empalhavam uns aos outros.

O planeta-arte se transformou em um ateliê de corpos e a raça humana finalmente pôde voltar aos seus ábacos, dicionários e sistemas binários. Mas, como já foi dito, não há nada mais contraditório que o ser humano. Eles não conseguiram viver em paz. Decidiram guerrear com a espécie semelhante que, eliminados os 2% de diferença genética, passou a ser os chimpanzés. Ganhou a espécie com maior senso ético e moral.

Foi assim que os chimpanzés dominaram o mundo. Eliminaram todos os humanos e se tornaram a espécie mais inteligente, perdendo para os golfinhos por apenas 2%. Mas não seria assim por muito tempo. Um dia, um chimpanzé descobriu uma velha lata de tinta, molhou o dedo e esfregou em uma árvore. Estava dada a sentença de extinção da raça.

...

Não se sabe bem e ao certo
Que doença ele tem,
Mas a fofoca no inferno
É que o Diabo não está bem.

Foi aí que começou
A balbúrdia no Além.
Se o tinhoso sai em férias,
É preciso entrar alguém.

O Diabo está cabreiro.
É um medo que ele tem:
Ver seu reino dominado
Pelo cara de Belém.

Pôs anúncio no jornal
Pra tentar achar alguém:
“Inimigos na caldeira.
Diabinhas no harém”.

Primeiro chegou o Lula,
“Masss” havia um porém.
Pra dar ordens no inferno,
É preciso falar bem.

O Maluf trouxe idéias:
Uma ponte e um trem.
“Pra cair na minha cabeça?
Cê nem vem que aqui não tem”.

Fernando Henrique tinha planos,
Privatizar todo o Além.
“Fazer cotas do inferno?!
E vender pra Jerusalém?!”.

Roberto Jefferson tem talento
Mas a boca não contém
Num discurso tão maldoso
Terminar dizendo “Amém”?

O Bush era renomado,
Mas o Diabo não quis também.
“O homem pode ser mau,
mas matou Saddam Hussein”.

Acabaram-se os candidatos
E o Diabo não achou ninguém
Todo político quer ser ele
Todo político está aquém.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Viver pra morrer? Morrer por viver?

Em 11 de junho de 1963, um homem de saia marchava pela rua. Olhava para a frente com profunda concentração, como fazemos quando nossa mente está ausente. Mas a sua não estava. Completamente consciente de si e transparecendo uma tranqüilidade invejável, o homem, ignorando o tráfego, sentou-se no meio da rua, cruzou as pernas e fechou os olhos. Após alguns minutos de silêncio, o homem agarrou o pequeno galão ao seu lado e se batizou com o conteúdo. Enfim, acionou o aparelhinho em sua mão e colocou fogo em si mesmo. As labaredas atraíram todo um contingente de pessoas, de policiais armados a motoristas curiosos. Mas o que mais surpreendeu a multidão não foi o fogo em si, mas o fato de que, apesar de todo estrago que fazia, consumindo o homem até a morte, ele permaneceu em seu lugar, simplesmente, impassível.

Um dia depois centenas de jornais ocidentais brigavam pela foto do monge vietnamita em chamas, protestando contra o governo de seu país. O objetivo era dar àquele homem a primeira capa e imortalizar seu ato de coragem. Por um dia. Por um dia seus inimigos seriam inimigos do mundo inteiro. Mas apenas por um dia, porque amanhã, depois de desgastado o assunto, estaríamos à caça de outro inimigo, seja ele um seqüestrador de criancinhas, um político italiano ou o governo russo. E assim tem sido há muito tempo por aqui: heróis e vilões descartáveis, uma grande batalha contra sabe-se-lá-quem.

Enquanto esse e outros monges lutam pelo que acham justo, a nós, pobres ocidentais brasileiros, falta contra o que lutar. Não, nós não temos um inimigo em comum. Não saímos por aí ateando fogo em nós mesmos porque não temos coragem. Não fazemos isso porque não temos porquê. Não um porquê de verdade, só um monte de porquês inventados. Nossa luta é contra um assassino de uma vítima desconhecida, contra o seqüestrador de uma criança que jamais encontraremos, contra um governo que achamos mais ou menos. Tudo por aqui é mais ou menos, nada é bom o suficiente pra virar heroísmo. Nada é ruim o suficiente para causar a revolta geral. E a revolta, brasileiros, a revolta é indispensável. Todas as grandes conquistas da humanidade foram feitas na revolta. Mesmo para um monge que viveu na paz, o auge da vida foi na revolta. Afinal, enquanto a paz nos dá um porquê para sobreviver, a revolta nos dá um porquê para morrer. E quem não tem pelo que morrer, não tem pelo que viver.

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Protótipo de um Jornalista